Auxílio-moradia: aspectos legais
- 21 de mar. de 2018
- 5 min de leitura
A pauta de amanhã do Plenário do Supremo Tribunal Federal prevê o julgamento de um assunto polêmico: auxílio-moradia para magistrados e membros do Ministério Público. Você sabe o que é isso?
O auxílio-moradia está previsto nos arts. 51, IV; 60-A a 60-E, da Lei 8.112/1990 e sofreu modificações recentes pela edição de Medida Provisória 805/2017 que ainda não passou por deliberação no Congresso Nacional.
O auxílio-moradia é uma indenização paga para ressarcir despesas com aluguel ou hospedagem realizadas pelo servidor público da União no interesse da Administração Pública. Ou seja, o servidor muda de domicílio por necessidade da Administração. Todavia, há requisitos para o servidor ter direito à indenização:
a) não haver imóvel funcional disponível para uso do servidor;
b) o cônjuge/companheiro não deve ocupar imóvel funcional;
c) servidor ou cônjuge/companheiro não serem proprietários ou promitentes compradores de imóveis na nova localidade;
d) ninguém que more com o servidor receba auxílio-moradia;
e) servidor teve que mudar de domicílio para ocupar cargo em comissão ou função de confiança do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores em níveis 4,5,6, de Natureza Especial, de Ministro de Estado ou equivalente;
f) município no qual estabeleceu novo domicílio não integrar a região metropolitana na cidade em que irá trabalhar;
g) o servidor não morou na nova localidade no período dos últimos doze meses e
h) a mudança não ocorreu por alteração da lotação ou nomeação para cargo efetivo.
A lei também apresenta um critério temporal para a percepção do auxílio, condicionando que somente serão indenizados os deslocamentos ocorridos depois de 30 de junho de 2006.
Assim, os servidores que atenderem a todos os requisitos acima citados deverão ser ressarcidos pela Administração se comprovarem a despesa em até dois meses depois de sua realização. Destaca-se que, neste ponto, a MP 805/2017 aumentou o prazo para a apresentação da despesa que antes era de um mês. O valor que se pode receber de auxílio-moradia é limitado a 25% do valor do cargo em comissão ou função de confiança e não pode superar o valor de 25% da remuneração de Ministro de Estado.
A principal mudança trazida pela MP 805/2017 foram as alterações no valor e período temporal do pagamento da indenização. Anteriormente, o auxílio-moradia era pago por tempo indeterminado, mas era limitado ao valor mensal de até R$1.800,00. Com a referida MP, o auxílio-moradia fica limitado ao período de quatro anos após a mudança de domicílio e será reduzido em vinte e cinco anos percentuais a cada ano de recebimento. Somente será devido o pagamento do auxílio-moradia após esse período se houver nova mudança de domicílio a critério da Administração e o servidor se encaixar nos requisitos supracitados e positivados no art.60-B da Lei 8112/1990.
Tudo que foi explicitado até aqui se aplica aos servidores públicos da União. Entretanto, com relação a magistrados e membros do Ministério Público a situação ganha novos contornos devido às leis específicas de cada carreira. A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), no seu art. 65, II, prevê que o magistrado pode receber o auxílio-moradia se não houver residência oficial à sua disposição. Enquanto o membro do Ministério Público, de acordo com o art. 50, II da Lei 8625/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público), pode receber a indenização se não houver residência oficial condigna. Na mesma toada, a Lei Complementar 75/1993 (Lei de Organização do Ministério-Público da União), no seu art. 227,VIII, prevê que os membros do MP podem receber auxílio-moradia em caso de lotação em local cujas condições de moradia sejam particularmente difíceis ou onerosas, assim definido em ato do Procurador-Geral da República.
Em 2014, o Min. Luiz Fux, concedeu liminar na Ação Originária 1773 de 2014 e estendeu o pagamento do auxílio moradia para os juízes que ainda não eram contemplados pelo auxílio-moradia no valor mensal de R$ 4.377,73. Com base nessa decisão, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução 199/2014 e o Conselho Nacional do Ministério-Público editou a Resolução 117/2014 normatizando critérios de concessão e estendendo a percepção de auxílio-moradia para todos os juízes e membros do Ministério Público do país.
Dessa forma, os magistrados não terão direito ao auxílio-moradia se houver residência oficial à sua disposição; se forem inativos; se estiverem licenciados sem percepção de subsídio ou se houver alguém na mesma residência que receba o auxílio-moradia, exceto se o cônjuge/companheiro manter residência em outra localidade. No caso do Ministério Público, não será devido o pagamento da indenização aos membros aposentados ou em disponibilidade decorrente de sanção disciplinar; se estiver afastado ou licenciado sem percepção de subsídio ou se o cônjuge/companheiro ocupar imóvel funcional ou receber auxílio-moradia na mesma localidade.
Fazendo uma análise exclusivamente com base nos critérios do Direito Administrativo, percebe-se que a forma de percepção dos magistrados e membros do Ministério Público é totalmente dissonante da prevista na Lei 8.112/1990. O auxílio-moradia desses membros, mediante o critério legal apresentado, somente é condicionado à falta de residência oficial, não importando assim se possuírem imóvel na cidade ou região metropolitana em que trabalham. Assim, por exemplo, um juiz que trabalha no Plano Piloto e mora em apartamento próprio em Águas Claras atualmente recebe R$ 4.377,73 mensais, sendo que um servidor do TJDFT, que tem essa mesma rotina de trabalho, não faz jus a percepção do auxílio, pois não se enquadra nos critérios legais.
Os requisitos da 8.112/1990 são bem claros e deveriam ser replicados para todas as classes. Não existe transferência em interesse da União, não existe o impedimento por ser proprietário de imóveis na cidade ou região metropolitana em que trabalha, não existe a hipótese de não receber o auxílio porque escolheu prestar concursos para localidade que condicionava a sua mudança de domicílio. Os juízes e membros do MP ganham auxílio-moradia pelo simples fato de terem entrado na carreira. Só importa a inexistência de residência oficial, o que é praticamente inexistente em diversas regiões do país e assim condiciona um dos fundamentos que o Min. Fux utilizou para estender a percepção do auxílio.
Ressalta-se ainda que todo esse benefício está sendo sustentado desde 2014 em sede de liminar. Mais de três anos se passaram sem haver a inclusão do processo em pauta. Está previsto que o Supremo julgue esta situação amanhã (21.03.2018). Mas sempre é importante lembrar que pode acontecer um pedido de vista que interrompa o julgamento por tempo indeterminado. O Supremo, que atualmente vem se colocando como ativo defensor da Democracia e da ampla participação popular na Corte, na figura do Min. Fux, somente aceitou como amicus curiae no julgamento do auxílio-moradia associações de magistrados e de membros do Ministério Público.
Portanto, fica claro, com base nos critérios legais expostos, que existe uma grande discrepância da natureza indenizatória entre o auxílio-moradia para servidores públicos da União e o auxílio-moradia para juízes e membros do MP. Cabe ao Supremo decidir a adequação dos critérios de seu próprio auxílio-moradia. Esperemos que se comporte como a vanguarda iluminista e declare, ao menos, a abusividade da atual situação. O fato é que, como brilhante iniciativa da Defensoria Pública da União já ressaltou, esse dinheiro poderia ser gasto com muita coisa.
Comments